Carpete Florido – Universo Paralelo

Universo Paralelo foi gravado entre 2017 e 2019 no Escritório por Evandro Fernandez, João Luiz, Bernardo Fajoses, Ricardo Schmidt, Rosalina, Lê Almeida e João Casaes

Todas as faixas compostas por Evandro, exceto “Galeão” por João Luiz


Capa por Jorge Polo, tipografia por Rayi Kena

Masterizado por João Casaes

Produzido por Lê Almeida e João Casaes

Universo Paralelo por Lê Almeida


Quando começamos a gravar esse primeiro disco cheio do Carpete Florido eu já não tocava mais com o Evandro, só produzia as gravações. Ele começou a gravar com o Ricardo, Joãozin e o Bernardo fazendo parte da banda. Demoramos um tempo gravando as primeiras faixas, na época o Evandro ainda trabalhava no centro e aproveitamos alguns dias após o trabalho para gravarmos. O tempo foi passando e a vida do Evandro foi tomando cursos inesperados, em algum momento ele me disse que iria se mudar para Santos e queríamos muito terminar o disco antes dele ir embora. Passamos a gravar com um pouco mais de foco e ele já não tinha mais um emprego, ficou um tempo vivendo de favor na casa de amigos e até no Escritório. Eu Casaes e Joãozin montamos uma equipe de gravação e fomos gravando todas as faixas restantes para montar o disco, Nessa época eu vi o Evandro passar por muitas transformações, mudar de vida de uma hora para a outra não é para qualquer pessoa, muitas das letras passaram a fazer até muito mais sentido pra mim e a forma que gravamos entre amigos fazia com que ele se sentisse realizado com o disco. Ele sempre quis que alguma música dele fosse cantada por uma voz feminina, mas ele não conseguia fazer com que isso fosse pra frente, a gente discutia muito sobre isso, eu não me sentia capaz de ajudar na prática, fazer alguma ponte daí em algum momento ele conheceu uma amiga em comum nossa que curtia o Pixies de uma forma especial também e ele apresentou uma faixa pra ela que parecia ter sido feita pra ela cantar, essa foi a última faixa que gravamos para esse disco, “Orgulho Intocável” contando com a colaboração da Rosalina nos vocais.


Continuamos a aprontar o disco nos mínimos detalhes mesmo depois que o Evandro foi embora. Fomos adicionando e tirando coisas minuciosamente e com a distância eu puder refletir melhor no que foi e no que é o Evandro pra mim hoje em dia não só musicalmente. A gente se conhece desde antes da Transfusão existir, estive em muitos momentos com ele onde a dor era muito mais forte que os dramas de ricos com pais ausentes e brinquedos caros, quando conheci o Evandro ele tomava conta do pai doente com seqüelas de um derrame (anos depois ele faleceu), a mãe era separada do pai, uma pessoa incrível e muito pra frente, até mais modernizada em algumas coisas que o próprio Evandro (também já faleceu), ele tem alguns irmãos, dois homens e uma mulher, além de um irmão distante por parte de pai. Em Algum momento era estranho ver a vida ter contornos não muito favoráveis pro Evandro, não que pra mim fosse tudo fácil, acho até que a dificuldade em se fazer o que se gosta era o que mais nos unia além da música, o underground pra além de uma receita estética era realmente nossa casa, foi a partir da galera de Coelho da Rocha, onde o Evandro morava que eu fui entender o valor de se andar numa galera, foi lá que conheci o Ratinho, Davi, Cleber, D’alua, Leno, Jeferson, Elson, Manja, Fabrício, Douglas, Fem, Bigó, Jeverson, Théo, Júnior Playboy, Fábio, Márcio Punk, Delson, Renan e alguns outros agregados. Ninguém tinha grana, poucos tinham um emprego, mas a garrafa de vinho e o som numas fitas cassete em pleno começo dos anos 2000 era sempre certo. Foi com essa galera que frequentei as festas mais doidas da minha juventude, descobri infinitas bandas que mais tarde formaram a minha cabeça pra som e também foi com essa galera que tive o maior contato quando jovem com a morte, alguns desses caras morreram muito jovens, Douglas tinha HIV, Fabrício foi assassinado voltando do enterro da irmã, Jeverson morreu depois de ser atendido no posto de saúde aqui perto de casa onde minha tia Augusta também morreu, Ratinho foi brutalmente assassinado (ele era envolvido com o crime e nunca ouvia a gente quando falávamos pra sair dessa, não que fosse fácil, não que seja fácil, mas existem outros caminhos). Dessa galera do Evandro só ele tinha um interesse pra tocar um instrumento. O Leo que é o meu amigo mais antigo foi quem ensinou o Evandro a tocar baixo, na época tínhamos uma banda os três (Siameses) foi com eles que carreguei os primeiros amplificadores emprestados cruzando bairros na Baixada pra poder passar tardes inteiras ensaiando e mesmo depois de pararmos de tocar eu e o Evandro continuamos firmes em outras bandas, a Tape Rec foi a que mais perptuamos fazendo shows e gravando dois discos.


Esse disco do Carpete aconteceu numa grande mudança de vida não só do Evandro como na minha. Logo depois de terminar as gravações eu, Casaes e Joãozin entramos em um ano inteiro de turnê como Built to Spill onde vivemos experiências mágicas dentro dessa vida de tocar na estrada. Eu tive muita sorte na vida de conseguir fazer isso mesmo com dificuldades e acredito que o Evandro teria feito o mesmo de se entregar de cabeça e seguir firme.


Por conta de toda nossa história de amizade e som eu queria muito que esse disco tivesse um peso e um valor tanto para os amigos em volta dele quanto pro Evandro.