Essência Bruta é o prenúncio de um ORUÃ ÍNGREME, gingado como nunca, crescente e incerto. Íngreme possui 13 faixas, foi gravado em vários lugares do mundo e finalizado em Búzios, nas Emerências, perante um país partido e regido por uma ignorância descomunal.
O registro é uma posição de sobrevivência, a mais ÍNGREME até então.
Gravado por Lê Almeida (vários instrumentos e voz), Bigú Medine (baixos), João Casaes (baixos nas faixas 02, 05 e 08, synths nas faixas 1, 2, 3, e intervenções e guitarras nas faixas 09 e 11) e Joab Régis (bateria nas faixas 09 e 11)
Participações de Leticia Cristina (metalofone na faixa 1), Rumi Kuzmic (violino nas faixas 3 e 6), Laura Lavieri (backing na faixa 6), Julio Santa Cecilia (synths, drones e intervenções na faixa 7), André Medeiros (guitarra na faixa 8), Daniele Vallejo / Dinho Almeida / Felipe Oliveira e Joab (coral na faixa 09), Barbara Guanaes (metalofone) e Felipe (trompete) na faixa 09
Capa por Lê Almeida (colagem) e Vó Lena (costuras)
Masterizado por João Casaes
Foto por Karin Santa Rosa
AULAS por Lê
No meio da pandemia me dei conta de um monte de coisas, a maior delas foi que eu tinha tido algum tipo de sorte muito grande nos últimos tempos. 2019 foi o primeiro ano que eu passei quase ele todo fora de casa, em países que eu nem sabia falar a língua, foi uma experiência incrível e desafiadora, era difícil voltar o mesmo, ainda mais depois de ter feito parte de uma banda que sempre adorei, isso ainda é um sonho. Na volta pra casa em 2019 eu e o Casaes tivemos nosso vôo adiado por conta de uma nevasca por mais um dia e perdemos o natal no Brasil. Minha mãe tinha me tirado no amigo oculto na festa de natal do quintal aqui de casa, perdi, mas Leticia fez um vídeo dela dando pistas antes de abrir o presente, enquanto eu voava de volta pra casa na noite de natal. Guardo o presente com muito carinho, é um porta retrato com uma foto nossa no meu aniversário em 2019.
No dia 13 de março de 2020 a gente reabriu o Escritório depois de uma reforma, era uma sexta feira, ali fazia dois anos que tínhamos perdido meu pai. Foi nesse final de semana que tudo fechou com a pandemia e eu senti o que estava acontecendo, fiquei em casa um longo tempo, minha vó nessa época dizia que minha mãe tava muito tranqüila por eu estar em casa. Eu comecei a andar de bike toda manhã pelo bairro e passei a tirar umas fotos analógicas de paisagens. Em maio, exatamente nos dias das mães, a minha mãe teve uma queda em casa, era o rompimento de um aneurisma, a gente perdeu ela de uma forma muito triste, eu e Letícia passamos por um imenso sufoco com hospital com pessoas que não se importavam que a nossa mãe estava morrendo, a gente fez tudo. Ela era o meu sol, guiava o maior dos equilíbrios.
A gente sempre teve umas simbologias grandes em casa com datas, aniversários. Depois da ida dos nossos pais passar por essas datas que eram deles e nossas acho que passou a ser mais difícil, até angustiante. Entre a data do meu aniversário e da minha mãe (jul/ago) eu comecei a criar alguma rotina de gravação, tentar montar um disco, encontrar os amigos no Escritório pra gravar, Bigú estava voltando, muito assunto na cabeça. Voltei a gravar em casa, numa casa que ainda era nova pra mim e com uma janela onde eu sempre consigo ver a lua, quase que emoldurada pela janela de tão bem encaixada. Passei a cuidar do carro que era da minha mãe, que meu pai dirigia. Nele eu ouvia minhas mixagens do que andava gravando, me re-conectava com o bairro, esse carro sempre teve uma vibração incrível, a gente sempre deu valor, minha mãe pagou por ele com a barraca que ela tinha frente da casa onde morávamos. Sempre tive a melhor referência de trabalho autônomo dentro de casa, se organizar. Aulas fez eu me reorganizar num momento estranho, durante minha rotina de gravações eu recomecei umas obras em casa.
Algumas faixas eram coisas que eu tinha começado e largado, comecei desse ponto e as coisas novas eu gravava bem rápido sem pensar tanto, nessa situação eu passei a gravar com mais cuidado nos timbres do que às vezes seria só um esboço. Isso tudo fazia eu colocar alguma coisa pra fora. A meta era lançar no natal por um carinho nosso, aquele aniversário dele, sem ele. Consigo pensar em muitos momentos em várias faixas que gravei pensando e sentindo uma força dos dois, que sempre me apoiaram muito nesse caminho tão incerto e maluco. Enquanto gravava passei a explorar dois instrumentos que tinha comprado de uma viúva em Boise, nos EUA onde eu e Casaes moramos por um mês, um metalofone e um theremin. A conexão com a morte nesse período me fazia ligar algumas coisas, pensando com valor que eu usando algo com carinho e cuidado o que era de alguém que cuidou por tanto tempo talvez trariam só boas energias. Consegui alguns amps bem antigos num brechó no centro onde o dono do lugar tinha me contado que as caixas eram de um senhor de uns noventa e poucos anos que tinha morrido recentemente um tempo atrás. Usei muito uma dessas caixas no disco e durante umas mixagens de inserts e colagens eu reabri umas caixas velhas de fita cassete que eu e Joãozin tínhamos achado anos atrás numa calçada no bairro do Flamengo, eram fitas sobre ocultismo, esoterismo, poesia, meditação. Todas com muitas anotações, ali descobri que essas fitas eram de uma mulher, algumas com poesias dela, declamadas por ela. Dessas fitas eu venho tirando umas doideiras desde que achamos, mas são tantas caixas de fitas que eu vou ter que ir descobrindo e viajando aos poucos.
Aulas é dedicado aos meus pais Antonio Carlos e Sonia Maria, primeira coisa que faço sem os dois.Também é dedicado a minha irmã Leticia <3 (que toca metalofone na primeira faixa!) e minha Vó Lena, que me ajudou com a capa, nas costuras e com a vida ao longo dos anos. Amo vocês
AULAS por Lê
In the middle of the pandemic I realized a lot of things, the biggest of them was that I had had some kind of great luck lately. 2019 was the first year that I spent almost all of it away from home, in countries that I couldn’t even speak the language, it was an incredible and challenging experience, it was hard to come back the same, even more after being part of a band that I always loved, this is still a dream. On our way home in 2019, Casaes and I had our flight delayed because of a blizzard for another day and we missed Christmas in Brazil. I was chosen as my mother’s secret santa at the backyard Christmas party here at home, I missed it, but Leticia made a video of her giving clues before opening the present while I flew home on Christmas night. I keep the gift with a lot of affection, it’s a picture frame with a picture of us on my birthday in 2019.
On March 13, 2020 we reopened Escritório after a renovation, it was a Friday, it had been two years since we had lost my father. It was this weekend that everything closed with the pandemic and I felt what was happening, I stayed home for a long time, my grandmother at that time said that my mother was very calm because I was home. I started to ride my bike every morning around the neighborhood and started to take some analogical pictures of landscapes. In May, exactly on mother’s say, my mother had a fall at home, it was the rupture of an aneurysm, we lost her in a very sad way, me and Leticia went through an immense suffocation with the hospital, with people who did not care that our mother was dying, we did everything. She was my sun, she guided the greatest balance.
We always had some big symbologies at home with dates, birthdays. After our parents went through those dates that were theirs and ours I think it became more difficult, even distressing. Between my birthday and my mother’s (jul/aug) date I started to create some routine of recording, trying to put together a record, find friends at Escritório to record, Bigú was coming back, a lot of things on my mind. I went back to recording at home, in a house that was still new to me and with a window where I can always see the moon, almost framed by the window so well fitted. I took care of the car that was my mother’s, that my father drove. In it I listened to my mixes of what I was recording, I reconnected with the neighborhood, this car always had an incredible vibration, we always appreciated it, my mother paid for it with the convenience store that she had in front of the house where we lived. I always had the best reference of autonomous work inside the house, getting organized. Aulas made me reorganize in a strange moment, during my routine of recordings I resumed some works at home.
Some tracks were things I had started and dropped, I started from this point and the new things I recorded very fast without thinking so much, in this situation I started to record more carefully on the timbres on what would otherwise just a sketch. This all made me put something out. The goal was to release at Christmas because of our affection, his birthday, without him. I can think of many moments in several tracks that I recorded thinking and feeling a strength of the two, who always supported me a lot in this path so uncertain and crazy. While recording I started to explore two instruments I had bought from a widow in Boise, USA where Casaes and I lived for a month, a metalophone and a theremin. The connection with death in that period made me connect some things, thinking with value that I was using something with affection and care what was of someone who took care for so long would perhaps bring only good energy. I got some very old amps in a pawn shop in the center where the owner of the place had told me that the amps were from a gentleman of some ninety years old and a few years who had died recently. I used one of these amps a lot on the record and during some mixes of inserts and collages I reopened some old boxes of tape that Joãozin and I had found years ago on a sidewalk in the neighborhood of Flamengo, they were tapes about occultism, esotericism, poetry, meditation. All with many notes, there I discovered that these tapes were of a woman, some with her poems, declared by her. I’ve been taking some of these tapes since we found them, but there are so many boxes of tapes that I’ll have to discover and travel little by little.
Aulas is dedicated to my parents Antonio Carlos and Sonia Maria, the first thing I do without them. It is also dedicated to my sister Leticia <3 (who plays the metalophone on the first track!) and my Grandma Lena, who helped me with the cover, the seams and life over the years. I love you
Dedicado a Antonio Carlos e Sonia Maria com amor, carinho e saudade
Interior de Qualquer Desordem é o segundo single do álbum AULAS, prometido para o dia 25 de dezembro. A faixa contém a participação de Rumi Kuzmic (Distant Family) que virou amiga da crew da Transfusão em Boise após a tour com Built to Spill ano passado em 2019 pelos Estados Unidos.
Gravada por Lê Almeida (guitarra, violão, bateria, metalofone, percussão e voz), João Casaes (synth), Bigú Medine (baixo) e Rumi Kuzmic (violino)
Rio de Janeiro (ESCRITÓRIO) / São João de Meriti / Boise
Gravado no Escritório da Transfusão entre 2018 e 2019 por Felipe Oliveira, João Casaes, Lê Almeida, Bigú Medine, João Luiz e Phill Fernandes com participações de Raoni Redni e vozes de apoio de Bigú, Felipe Neiva, Gustavo Pires, João Luiz, Jorge Polo, Lê e Karolyne Oliveira.
Todas as faixas compostas por Felipe Oliveira, exceto “Namorados” por Felipe e Karolyne
Gravado e mixado por Lê Almeida e João Casaes
Capa por Jorge Polo
Masterizado por João Casaes
GAAX: Naturalidade
(Transfusão Noise Records, 2020)
GAAX (RJ), a banda de um homem só de Felipe Oliveira, metalúrgico de 28 anos, mostra em Naturalidade (2020) que seus sons internos são criados e amplificados através de encontros, da intensidade do trabalho de muitas mãos. Foi percorrendo o trajeto da Baixada Fluminense para o Escritório do selo Transfusão Noise Records, no Centro do Rio de Janeiro, que se construiu o disco entre amigos que há longos anos dividem os mesmos caminhos.
Em seu quarto álbum o músico faz um balanço, tira de dentro de si sentimentos guardados, soma com algumas sobras de outros discos, e traça algo novo, regado a lo-fi e experimentalismo. “Quando surgiu a ideia de materializar minhas composições, nasceu junto um diário de reflexões, acontecimentos, vivências e um processo de autoconhecimento amplo, onde tudo que vivo e sinto, com os pés no chão e consciente, se manifesta em música”, conta Felipe.
Abrindo com Ciclo, música cheia de guitarras barulhentas quebradas por uma percussão suave e hipnotizante, o disco dá uma amostra do que vem a seguir. Já em Meu Rifle, vem a promessa de hit pelo refrão chiclete e cantarolante “sei que meu troco está guardado na sua caixa registradora” – dá até para imaginar o fervor do público numa performance ao vivo. Algo que se despedaça com os acordes lentos e sombrios de Roques de Quarto, assim como em Adequada Ação.
A arquitetura secreta de GAAX remete ao instrumental melancólico de Daniel Johnston, marianaa e Sonic Youth, ao trabalho solo de Lee Ranaldo, ou ainda às guitarras angustiantes e raivosas do Dinosaur Jr. Mergulhado em memórias e pensamentos, Felipe se contradiz quando canta, em Outro Lado, que não teria nada a dizer. Aquilo que estava ali guardado até o momento entra em choque e se recria no encontro sonoro com seus amigos, como dá para sacar no potente coro em Vê se faz o que é certo. “Tudo foi se formando com a naturalidade real da amizade que tenho com todos que participaram”, ele reflete.
Ao contar sobre Naturalidade, Felipe se revela profundamente grato por criar músicas ao lado das pessoas com as quais divide sua história de vida.Como numa comunhão, algo de cunho religioso e espiritual; o que fica evidente no hino de louvor Luvzin, enraizada no roque gospel brasileiro da banda carioca Rebanhão.
Gravado em quatro dias no final de 2018, durante as férias corridas de Felipe, Naturalidade contou com a mão de obra dos integrantes da Oruã – antes de saírem em turnê pelos Estados Unidos e Europa com a Built to Spill no ano passado. O disco conta com as vozes de apoio dos camaradas Bigú Medine, Felipe Neiva, Gustavo Pires, João Luiz, Jorge Polo, Lê Almeida e Karolyne, esposa de Oliveira. As guitarras são de Raoni, Lê e João Luiz.Os baixos de Bigú, João Luiz e João Casaes. Algumas baterias são do Lê e outras do Phill Fernandes. Lê Almeida também assume a mixagem, e Casaes, além de adicionar sintetizadores, fica com a masterização. A capa do álbum, uma pintura de árvores se consumindo em fogo e fumaça, assim como os outros trabalhos do GAAX, é assinada pelo artista Jorge Polo.
“Afinal, reflita. Escute.”
Por Fernanda Castilho.
GAAX: Naturalidade
(Transfusão Noise Records, 2020)
GAAX (RJ), the one-man band of Felipe Oliveira, a 28-year-old metallurgist, shows in Naturalidade (2020) that its internal sounds are created and amplified through encounters, the intensity of the work of many hands. It was on the way from Baixada Fluminense to the Transfusão Noise Records ‘Escritório’, in downtown Rio de Janeiro, that the record was built among friends who have shared the same paths for many years.
In his fourth album, the musician makes a balance, puts out repressed feelings, adds to it some leftover track from other records, and traces something new, full of lo-fi and experimentalism. “When the idea of materializing my compositions came up, a diary of reflections, events, experiences and a process of broad self-knowledge was brought together, where everything I live and feel, with my feet on the ground and conscious, manifests itself in music,” says Felipe.
Opening with Ciclo, a song full of noisy guitars broken by a soft and hypnotizing percussion, the record gives a taste of what comes next. In Meu Rifle, comes the promise of a hit by the sing-along bubble gum chorus “I know my change is stored in your cash register” – you can even imagine the fervor of the audience in a live performance. Something that shatters with the slow and dark chords of Roques de Quarto, as well as in Adequada Ação.
The secret architecture of GAAX harkens back to the melancholic instrumentals of Daniel Johnston, marianaa and Sonic Youth, to the solo work of Lee Ranaldo, or even to the anguishing and angry guitars of Dinosaur Jr. Diving into memories and thoughts, Felipe contradicts himself when he sings, in Outro Lado, that he has nothing to say. That which was kept guarded until then, comes into shock and is recreated in sonic encounters with friends, as can be witnessed in the powerful chorus in Vê se faz o que é certo. “Everything was coming together naturally with the friendship I have with everyone who participated”, he reflects.
In telling about Naturalidade, Felipe shows his profound gratitude for creating music alongside the people with whom he shares his life story. As in a communion, something religious and spiritual; which is evident in the hymn of praise Luvzin, rooted in the Brazilian gospel rock band Rebanhão.
Recorded in four days at the end of 2018, during Felipe’s vacation, Naturalidade relied on the labor of Oruã members – before touring the United States and Europe with Built to Spill last year. The album has backing vocals of Bigú Medine, Felipe Neiva, Gustavo Pires, João Luiz, Jorge Polo, Lê Almeida and Karolyne, Oliveira’s wife. The guitars are by Raoni, Lê and João Luiz. The basses by Bigú, João Luiz and João Casaes. Some drums are by Lê and others by Phill Fernandes. Lê Almeida also takes on the mix, and Casaes, besides adding synthesizers, takes on the mastering. The album cover, a painting of trees consuming themselves in fire and smoke, as well as other GAAX works, is signed by the artist Jorge Polo.
Universo Paralelo foi gravado entre 2017 e 2019 no Escritório por Evandro Fernandez, João Luiz, Bernardo Fajoses, Ricardo Schmidt, Rosalina, Lê Almeida e João Casaes
Todas as faixas compostas por Evandro, exceto “Galeão” por João Luiz
Capa por Jorge Polo, tipografia por Rayi Kena
Masterizado por João Casaes
Produzido por Lê Almeida e João Casaes
Universo Paralelo por Lê Almeida
Quando começamos a gravar esse primeiro disco cheio do Carpete Florido eu já não tocava mais com o Evandro, só produzia as gravações. Ele começou a gravar com o Ricardo, Joãozin e o Bernardo fazendo parte da banda. Demoramos um tempo gravando as primeiras faixas, na época o Evandro ainda trabalhava no centro e aproveitamos alguns dias após o trabalho para gravarmos. O tempo foi passando e a vida do Evandro foi tomando cursos inesperados, em algum momento ele me disse que iria se mudar para Santos e queríamos muito terminar o disco antes dele ir embora. Passamos a gravar com um pouco mais de foco e ele já não tinha mais um emprego, ficou um tempo vivendo de favor na casa de amigos e até no Escritório. Eu Casaes e Joãozin montamos uma equipe de gravação e fomos gravando todas as faixas restantes para montar o disco, Nessa época eu vi o Evandro passar por muitas transformações, mudar de vida de uma hora para a outra não é para qualquer pessoa, muitas das letras passaram a fazer até muito mais sentido pra mim e a forma que gravamos entre amigos fazia com que ele se sentisse realizado com o disco. Ele sempre quis que alguma música dele fosse cantada por uma voz feminina, mas ele não conseguia fazer com que isso fosse pra frente, a gente discutia muito sobre isso, eu não me sentia capaz de ajudar na prática, fazer alguma ponte daí em algum momento ele conheceu uma amiga em comum nossa que curtia o Pixies de uma forma especial também e ele apresentou uma faixa pra ela que parecia ter sido feita pra ela cantar, essa foi a última faixa que gravamos para esse disco, “Orgulho Intocável” contando com a colaboração da Rosalina nos vocais.
Continuamos a aprontar o disco nos mínimos detalhes mesmo depois que o Evandro foi embora. Fomos adicionando e tirando coisas minuciosamente e com a distância eu puder refletir melhor no que foi e no que é o Evandro pra mim hoje em dia não só musicalmente. A gente se conhece desde antes da Transfusão existir, estive em muitos momentos com ele onde a dor era muito mais forte que os dramas de ricos com pais ausentes e brinquedos caros, quando conheci o Evandro ele tomava conta do pai doente com seqüelas de um derrame (anos depois ele faleceu), a mãe era separada do pai, uma pessoa incrível e muito pra frente, até mais modernizada em algumas coisas que o próprio Evandro (também já faleceu), ele tem alguns irmãos, dois homens e uma mulher, além de um irmão distante por parte de pai. Em Algum momento era estranho ver a vida ter contornos não muito favoráveis pro Evandro, não que pra mim fosse tudo fácil, acho até que a dificuldade em se fazer o que se gosta era o que mais nos unia além da música, o underground pra além de uma receita estética era realmente nossa casa, foi a partir da galera de Coelho da Rocha, onde o Evandro morava que eu fui entender o valor de se andar numa galera, foi lá que conheci o Ratinho, Davi, Cleber, D’alua, Leno, Jeferson, Elson, Manja, Fabrício, Douglas, Fem, Bigó, Jeverson, Théo, Júnior Playboy, Fábio, Márcio Punk, Delson, Renan e alguns outros agregados. Ninguém tinha grana, poucos tinham um emprego, mas a garrafa de vinho e o som numas fitas cassete em pleno começo dos anos 2000 era sempre certo. Foi com essa galera que frequentei as festas mais doidas da minha juventude, descobri infinitas bandas que mais tarde formaram a minha cabeça pra som e também foi com essa galera que tive o maior contato quando jovem com a morte, alguns desses caras morreram muito jovens, Douglas tinha HIV, Fabrício foi assassinado voltando do enterro da irmã, Jeverson morreu depois de ser atendido no posto de saúde aqui perto de casa onde minha tia Augusta também morreu, Ratinho foi brutalmente assassinado (ele era envolvido com o crime e nunca ouvia a gente quando falávamos pra sair dessa, não que fosse fácil, não que seja fácil, mas existem outros caminhos). Dessa galera do Evandro só ele tinha um interesse pra tocar um instrumento. O Leo que é o meu amigo mais antigo foi quem ensinou o Evandro a tocar baixo, na época tínhamos uma banda os três (Siameses) foi com eles que carreguei os primeiros amplificadores emprestados cruzando bairros na Baixada pra poder passar tardes inteiras ensaiando e mesmo depois de pararmos de tocar eu e o Evandro continuamos firmes em outras bandas, a Tape Rec foi a que mais perptuamos fazendo shows e gravando dois discos.
Esse disco do Carpete aconteceu numa grande mudança de vida não só do Evandro como na minha. Logo depois de terminar as gravações eu, Casaes e Joãozin entramos em um ano inteiro de turnê como Built to Spill onde vivemos experiências mágicas dentro dessa vida de tocar na estrada. Eu tive muita sorte na vida de conseguir fazer isso mesmo com dificuldades e acredito que o Evandro teria feito o mesmo de se entregar de cabeça e seguir firme.
Por conta de toda nossa história de amizade e som eu queria muito que esse disco tivesse um peso e um valor tanto para os amigos em volta dele quanto pro Evandro.