Oruã – Íngreme



Oruã nasceu no centro do Rio de Janeiro no fim de 2016, virando a esquina do golpe parlamentar que encerrou pra muita gente alguma crença na nossa democracia. Gravações em fitas cassetes velhas feitas na sala apertada do Escritório no meio da cidade renderam dois discos e um EP muito representativos da atmosfera que pairava no final da última década: “Sem Benção / Sem Crença” (2017), “Romã” (2019), e o EP “Tudo Posso” (2019) foram todos lançados no Brasil via Transfusão Noise Records e nos EUA via IFB Records.


Em 2018, ano de eleição e da greve dos caminhoneiros, o Oruã cruzou o país e atravessou fronteiras. Através de um número grande de cidades, capitais e do interior, a banda viajou para fora do Rio de Janeiro mais intensamente, para além do habitual eixo Rio-São Paulo. Pegando a BR-101 chegaram à Natal, cortaram a Bahia e depois, desceram, até ao Uruguai percorrendo também o sul do país. Nessa viagem de carro emprestado, “Romã” estava sendo gestado.


No ano seguinte, em 2019, Oruã fez a sua a primeira turnê pelos Estados Unidos e pela Europa, abrindo os shows do Built to Spill. Logo em seguida, ao mesmo tempo que Oruã saía do palco, dois terços da banda carioca, Lê Almeida e João Luiz, retornavam ao “stage” para compor a versão brasileira de Built to Spill junto com João Casaes (hoje, em 2021, Casaes integra a composição mais recente do Oruã).


Na sequência, em meados de 2019, faltando menos de um ano para o futuro decreto mundial da pandemia, sem nem sonhar com o isolamento social que aconteceria, Oruã entra em sua segunda turnê internacional, a primeira pela Europa, tocando em casas de shows como a O2 Forum, em Londres, e o Rockefeller Music Hall, em Oslo, emendando em seguida com uma segunda tour pelos EUA totalizando em aproximadamente 70 shows feitos até o meio daquele ano. No segundo semestre, Lê, João Luiz e J.C. seguiram o restante da turnê do Built to Spill pelos EUA tocando somente na banda norte-americana até o fim do ano.


Nesse período, o baterista Phill Fernandes deixava o Oruã. Karin Santa Rosa (que já tinha registrado duas grandes tours de carro do Oruã: uma para o Nordeste e outra para o Sul do país) passou a fazer parte da banda enquanto Lê, Casaes e João Luiz ainda estavam na estrada com o Built to Spill. Ela, que ainda não tocava de fato bateria, passou um tempo praticando para compor a versão mais recente do Oruã que contaria com duas baterias, como no início. Depois do fim da tour do BTS, de 2019, João Luiz também deixa o Oruã e volta para o Brasil. Lê e J.C. ficam em Boise (EUA) gravando o novo álbum do Built to Spill e, em paralelo, começam a desenvolver um novo Oruã.



“Comecei a gravar esse disco em 2019, ano em que minha vida deu uma sacudida gigante. Estava em uma enorme turnê tocando bateria com o Built to Spill, banda que passei uma boa parte da minha vida ouvindo muito e em nenhum tipo de sonho eu me imaginaria fazendo parte.

No meio da tour com o BTS eu fui juntando uma série de gravações, coisas que foram nos dando caminhos. Dessas faixas fomos arrumando a nova formação. Daniel Duarte que tinha tocado no primeiro disco retornou à banda que voltava a ter duas baterias. Bigú Medine passou a tocar o baixo e J.C. assumiu os synths, mpc e arranjos. A base do íngreme existiu antes de virmos morar em Búzios, mas foi morando numa região mais calma e verde que o diamante foi lapidado com carinho e dedicação. Esse foi primeiro disco que mixei num notebook. Os anteriores foram feitos em fita cassete.

Algumas bases foram gravadas nos EUA, como “Aluanda” e a primeira parte de “Cravina Flor”. A grande maioria foi gravada em Búzios, nas Emerências.

As letras em sua boa parte versam, refletem e propõem o pensar sobre algumas diferenças… sociais e raciais. Algumas com visão de perspectivas diferentes e um mundo melhor e outras mais brabas quase maldições ou preces, no geral é pro moral levantar.”



Como numa fotografia, as gravações do Oruã registram através do som e da letra, o momento. Como nenhum outro grupo musical brasileiro faz atualmente, transformam em potência, em obra rica, os obstáculos vividos. Também como numa fotografia, o registro sonoro possui seu recorte temático, não se encerra apenas naquilo que está emoldurado e, ainda, diz bastante sobre o ponto de vista (visão e origem, ao mesmo tempo) de quem cria. Se prestarem atenção, está tudo ali.


O retrato sonoro da caminhada íngreme vai se desdobrando em outras paisagens – mais verdes, percussivas e espirituais, enquanto desbravam pela primeira vez um estilo de vida diferente. Nada a ver com tranquilo, mas um estilo de vida de fato independente. Livre. Crescido nas adversidades, filho de uma década turbulenta, Oruã não teme. Em 2021, após cinco anos de atividade, depois de percorrer as mais variadas estradas, a banda não esquece do que e de como a caminhada foi feita ao mesmo tempo em que agradece. É, finalmente, o momento da colheita.


Capa por Gustavo Pires

Gravado e mixado por Lê Almeida e João Casaes

Masterizado por Daniel Duarte no Estúdio Terra

JC fez “Dinorá”, “Essência Bruta” e “Declive Interlúdio”; + baixos e synths em “Aluanda” e “Cravina Flor”; synths e inserts em “Obrei Orei”, “Eucalypsus”, “Cavalo Branco” e “Eluar”; e synths e bateria em “Slowmotion”.

Bigú toca baixo e faz os backings em “Aluanda”, “Obrei Orei” e “Eluar”; + baixos em “Eucalypsus”, “Cravina Flor”, “Cavalo Branco” e “Slowmotion”; metalofone em “Interlúdio Declive”

Daniel e Karin tocam bateria em “Eucalypsus” e “Eluar”. Daniel toca bateria também em “Obrei Orei” e “Cravina Flor”.

toca guitarras, algumas baterias, teclas, percussões e canta.

Participações de Felipe Oliveira (trompete e backings), Zozio (bateria) e Alexander Zhemchuzhnikov (sax) em “Cavalo Branco”. Bruno Menezes (triangulo) em “Eluar”

Texto por Rayi Kena e foto por Barbara Guanaes







Oruã was born in downtown Rio de Janeiro in late 2016, around the corner from the parliamentary coup that ended for many people some belief in our democracy. Recordings on old cassette tapes made in the cramped Escritório in the middle of the city yielded two albums and an EP very representative of the atmosphere that hovered at the end of the last decade: “Sem Benção / Sem Credça” (2017), “Romã” (2019), and the EP “Tudo Posso” (2019) were all released in Brazil via Transfusão Noise Records and in the US via IFB Records.


In 2018, an election year and that of a national trucker drivers’ strike, Oruã crossed the country and crossed borders. Through a large number of cities, capitals and small towns, the band traveled outside of Rio de Janeiro more intensely, beyond the usual Rio-São Paulo axis. Taking the BR-101 they reached Natal, cut through Bahia, and then down to Uruguay, also traveling through the south of the country. During this trip by borrowed car, “Romã” was being conceived.


The following year, in 2019, Oruã toured the United States and Europe for the first time, opening for Built to Spill. Soon after, at the same time that Oruã opened for BTS, two thirds of the band from Rio, Lê Almeida and João Luiz, would return to the stage after their set to compose the Brazilian version of Built to Spill together with João Casaes (today, in 2021, Casaes is part of Oruã’s most recent formation).


Then, in mid 2019, with less than a year to go until the future worldwide decree of the pandemic, without even dreaming of the social isolation that would happen, Oruã embarks on their second international tour, the first in Europe, playing at venues like the O2 Forum in London and the Rockefeller Music Hall in Oslo, and then a second tour of the U.S. totaling approximately 70 shows until the middle of that year. In the second half of the year, Lê, João Luiz and J.C. followed the rest of Built to Spill’s tour through the USA playing only in the North American band until the end of the year.


In this period, drummer Phill Fernandes leaves Oruã. Karin Santa Rosa (who had already shot two great Oruã road tours: one to the Northeast and another to the South of Brazil) joined the band while Lê, Casaes and João Luiz were still on the road with Built to Spill. She, who didn’t actually play drums yet, spent some time practicing to compose the latest version of Oruã that would feature two drums, as in the beginning. After the end of the 2019 BTS tour, João Luiz also leaves Oruã and returns to Brazil. Lê and J.C. stay in Boise (USA) recording Built to Spill’s new album and, in parallel, start developing a new Oruã.



“I started recording this record in 2019, the year my life took a giant jolt. I was on a huge tour playing drums with Built to Spill, a band that I spent a good part of my life listening to a lot and in no kind of dream would I ever imagine myself being a part of.

In the middle of the tour with BTS I was putting together a lot of recordings, things that were giving us paths. From these tracks we were putting together the new line-up. Daniel Duarte, who had played on the first album, returned to the band, which had two drums again. Bigú Medine started playing the bass and J.C. took over the synths, mpc, and arrangements. The foundation for íngreme existed before we came to live in Búzios, but it was living in a calmer and greener region that the diamond was lapidated with care and dedication. This was the first record I mixed on a notebook. The previous ones were made on cassette tape.

Some tracks were recorded in the USA, such as “Aluanda” and the first part of “Cravina Flor”. The great majority were recorded in Búzios, in Emerências.

The lyrics mostly verse, reflect and propose to think about some differences… social and racial. Some with visions of different perspectives of a better world, and others rougher, almost curses or prayers, in general to uplift morale.”



Like a photograph, Oruã’s recordings register, through sound and lyrics, the moment. As no other Brazilian musical group does nowadays, they transform into power, into a rich work of obstacles lived through. Also like a photograph, the sound recording has its thematic approach, not limited to what is framed, and says a lot about the perspective (vision and origin, at the same time) of the person who creates it. If you pay attention, it is all there.


The soundscape of the steep hike unfolds into other landscapes – greener, more percussive, and spiritual, as they discover for the first time a different lifestyle. Not a calmness, but a truly independent lifestyle. Free. Growing up in adversity, the child of a turbulent decade, Oruã has no fear. In 2021, after five years of activity, after traveling the most varied roads, the band does not forget what and how the journey was made while being grateful. It is, finally, time for the harvest.


Cover by Gustavo Pires

Recorded and mixed by Lê Almeida and João Casaes

Mastered by Daniel Duarte at Estúdio Terra

JC assembled “Dinorá”, “Essência Bruta” and “Declive Interlúdio”; + bass and synths on “Aluanda” and “Cravina Flor”; synths and inserts on “Obrei Orei”, “Eucalypsus”, “Cavalo Branco” and “Eluar”; and synths and Drums on “Slowmotion”.

Bigú plays bass and sings backing vocals on “Aluanda”, “Obrei Orei” and “Eluar”; + bass on “Eucalypsus”, “Cravina Flor”, “Cavalo Branco” and “Slowmotion”; metalophone on “Interlúdio Declive”

Daniel and Karin play drums on “Eucalypsus” and “Eluar”. Daniel plays drums on “Obrei Orei” and “Cravina Flor”.

plays guitars, some drums, keyboards, percussion and sings.

Participation by Felipe Oliveira (trumpet and backing vocals), Zozio (drums) and Alexander Zhemchuzhnikov (sax) on “Cavalo Branco”. Bruno Menezes (triangle) on “Eluar”

Text by Rayi Kena and photo by Barbara Guanaes